quinta-feira, 4 de julho de 2013

EM NOME DE DEUS, O ESTADO LAICO

Não deveria ser surpresa a indicação e permanência do pastor Marcos Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados, mesmo que sob intensos e barulhentos protestos. A base governista tem alianças também no campo santo das lideranças religiosas que formam um arco partidário fundamentalista cristão. E a Comissão era “moeda de troca barata” para os governistas. O braço fundamentalista da Câmara ganhou um espaço interessante para a divulgação de suas ideias confrontando um Estado que se diz laico.
 Por outro lado, o próprio governo tem sua parte fundamentalista cristã em plena atividade. A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, professa sua convicção com tal fúria, que é a porta-voz governista para o projeto de lei do aliado Osmar Terra aprovado na Câmara. O projeto, que seguiu para o Senado, institui penalização maior para os envolvidos com drogas – na contramão das propostas liberalizantes nas democracias modernas; regulamenta a internação compulsória do usuário de drogas, violência condenada até pela a Organização Mundial de Saúde como ato de tortura; e institui o pagamento público das comunidades religiosas – travestidas de “terapêuticas” – em claro desrespeito ao SUS.
 O PL, apesar de criticado e combatido por estudiosos do assunto, segue firme para apreciação do Senado e mantem a confusão entre traficante e usuário presente na legislação anterior, que invariavelmente criminaliza os mais pobres. O aumento da pena para o tráfico de drogas é crescente na nossa legislação. Era de dois anos, no máximo, na lei sobre drogas de 1976, passando a cinco anos, no mínimo, na lei em vigor (2006). Agora a penalidade é proposta entre oito e quinze anos. Com isso as prisões ficarão mais abarrotadas do que já se encontram com pequenos traficantes. Há previsão de penas maiores do que algumas aplicadas para casos de homicídio, num absurdo que nos coloca na contra mão das sociedades democráticas. Jovens infratores terão mais tempo de apreenderem a via criminosa como a única possibilidade de vida, se saírem da prisão onde sua força de trabalho de possível recuperação foi encarcerada e desperdiçada. Quando não morrem jovens na guerra às drogas que, já foi dito, mata mais que o efeito das drogas. 
 A internação compulsória do usuário de drogas em instituições religiosas que pretendem curar pela “fé” disputam os minguados recursos de saúde para a rede pública. A rede comunitária – CAPS, Consultório na Rua e leitos hospitalares em hospitais gerais – está completamente sucateada e insuficiente, numa afronta a seus abnegados trabalhadores. Com o agravante de que a “terapia da fé” inevitavelmente pressupõe a penitência. E a penitência, se for involuntária, facilmente é transformada em tortura.
 A sociedade não pode assistir a tamanhos absurdos. A ministra Gleisi tem interesses eleitorais junto às comunidades religiosas do seu Estado e não pode levar estes compromissos para dentro do governo e apresentar proposta que viole o Estado laico. O Estado laico tem o papel de permitir que todas as crenças e credos possam ser professados sem o predomínio de qualquer delas, o que não acontece quando o Estado se permite a defender uma religião para obter para ela privilégios que as outras não têm. 
 Se isso é um comportamento de membros desse governo, como então os aliados podem exigir que o pastor Marcos Feliciano não seja um fundamentalista religioso na frente de uma Comissão de Direitos Humanos? Em nome de Deus esperaremos que o Estado volte a ser laico.
 Porque, no momento, o governo capitaneia ações que afronta o conceito secularista de laicismo. Neste conceito exige-se a ausência de conteúdos religiosos em assuntos governamentais, assim como a ausência do governo nos assuntos religiosos. Esta foi a melhor forma encontrada pela democracia para garantir o direito de todas as religiões. As religiões de Carimbão, Gleisi e Feliciano, ou de quem quer que seja aliado e membro do governo, não podem representar a sociedade em um Estado laico verdadeiro. Essas distorções devem ser combatidas por quem garante o próprio Estado: o governo da presidente Dilma. 

 (Edmar Oliveira)

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